Das Festas de São João

Quando junho chega, é sinal de que as Festas Juninas vão começar. Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal são os santos que reinam no período. Seus fiéis se esmeram. Cada um procura fazer melhor que o outro, para que o Santo se agrade da homenagem. Crianças, jovens e adultos se unem num só cordão. Famílias se reúnem nas portas de suas casas pagando promessas ao som dos batalhões.

Em todo o Maranhão os arraiais proliferam. Se em grande parte do país, o forró é que faz a festa, por aqui, a tradição fala mais alto e nem o passar do tempo consegue apagar o brilho dos grupos de Bumba-boi, o marco dos festejos juninos.

As madrugadas de junho são embaladas pelos sons das matracas, dos pandeirões, das zabumbas e ainda de instrumentos de sopro. São os grupos de Bumba-boi, em seus diversos sotaques.

O que é o Bumba-boi

Brincadeira típica dos escravos, o Bumba-boi tem seu primeiro registro na segunda metade do século XIX e no Nordeste. E, ao contrário do que muitos preferem acreditar, não é uma exclusividade do Maranhão. A brincadeira existe em outros estados brasileiros e recebe outras denominações.

As vestimentas e o ritmo também diferem e assumem condições de grandes espetáculos. Agora, a diferença mais curiosa entre o Bumba-boi do Maranhão e os outros é que alguns estão relacionados com o ciclo de festas natalinas.

Mas não há como negar que o grande momento da brincadeira está na sua apresentação, quando ele chega no terreiro. Todos os anos, os Bois chegam com novidades, trazem mais brilho, coreografias novas e um cordão cada vez maior para tornar a festa cada vez mais.

Antigamente, o momento do auto, quando era contada a história do desejo de Catirina, era o mais esperado. Infelizmente, ele já não é tão comum nas apresentações como antes. É que os brincantes acharam que o auto, que durava em média três horas, estava se tornando cansativo demais. Além de diminuir as chances de se visitar um número maior de terreiros.

O auto agora é mostrado através das toadas, que além de trazer a história do desejo da Negra Catirina, traz ainda provocações ou respostas às provocações de outros grupos de Bumba-boi.

Aquilo que conta o Bumba-boi

Catirina é casada com Pai Francisco, empregado de confiança de um fazendeiro que tem como seu boi predileto, Mimoso.

Grávida do primeiro filho, uma noite Catirina acordou numa madrugada e disse ao marido que estava com desejo de comer língua de boi.

Chico, que já tinha ouvido dizer que desejo de mulher grávida é sagrado, mais que depressa decidiu ir atender ao pedido Catirina. O que ele não sabia ainda era que a língua de boi que a mulher deseja comer era a de Mimoso.

Pai Francisco relutou, tentou convencer a mulher que não podia fazer aquilo porque era o homem de confiança do patrão, que adorava o boi. Nada adiantou e Chico acabou indo.

Quando voltou, trazia a língua de boi que Catirina tanto queria. Na mesma hora ela fez a língua pra comer. Em seguida os dois foram dormir.

Mas o descanso durou pouco. A fazenda estava toda em polvorosa porque Mimoso estava morrendo. O dono da fazenda estava triste, mas também muito bravo, e exigia que o culpado pelo sofrimento de Mimoso fosse encontrado e punido.

Catirina e Pai Francisco estavam apavorados, mas confessaram o feito. O amo não acreditou que o seu vaqueiro de confiança havia lhe traído.

Pai Francisco então lembrou de um Pajé, um velho índio que morava numa tribo que ficava nas proximidades da fazenda, e que ele já tinha ouvido falar que era muito poderoso.

O dono da fazenda então pediu que os vaqueiros fossem buscar o Pajé, a sua esperança de ressuscitar Mimoso.

Quando o velho índio chega à fazenda, ele diz que há salvação para Mimoso, mas que tudo vai depender da fé de cada um.

Com um maracá na mão, o Pajé entoou cânticos, fez rezas e os espíritos da florestas começaram a aparecer, dançaram e então um milagre aconteceu. Mimoso foi se levantando devagar e depois correu pelo curral.

A fazenda inteira comemorou. O Patrão fez a maior das festas já vistas no local e também perdoou Pai Francisco e Catirina. Mas fez aos dois um pedido: queria ser o padrinho do filho deles. E a festa continuou naquele terreiro, e hoje é uma das mais bonitas e ricas manifestações da cultura popular do Maranhão.

Quem é quem no bumba-boi

Boi - uma armação de varas ou cavernas, coberta com buriti e recoberta de veludo bordado;

Amo - o comandante da festa, personificando o dono da fazenda, o latifundiário, o "coronel". Usa o traje mais rico e espetacular e com um apito dirige o espetáculo. Muitas vezes acumula as funções de cantador;

Cantador - é a pessoa mais importante depois do Amo, quando tais funções não se fundem em uma só pessoa;

Vaqueiros e rapazes - são os elementos que compõem o cordão, as fileiras de brincantes. Conforme o sotaque (estilo) os trajes e o número de participantes variam, assim como a suntuosidade de acordo com a categoria de cada um;

Pai Francisco, Negro Chico ou Preto Velho - é o cômico do espetáculo; um pobre agregado da fazenda, de roupas velhas, a quem cabe a parte engraçada do auto;

Catirina - esposa de Pai Francisco;

Índias - são interpretadas por moças vestidas a caráter, com cocares, golas, braçadeiras, pulseiras, perneiras e tornozeleiras de penas; levam na mão pequenos arcos e flechas. Fazem figurações à frente do cortejo, quando o boi se desloca de um ponto para outro e exercem o papel de polícia na captura do Pai Francisco;

Caboclos de penas, ou Caboclos Reais - são personagens privativos do Boi de Matraca. Os homens são literalmente cobertos de penas de ema e ostentam grandes coroas de metro e meio de diâmetro, montadas sobre uma base de papelão revestida de veludo e bordada a capricho. As penas são tingidas de verde e vermelho. Quando os bois se deslocam nos terreiros ou para outros locais de apresentação, os caboclos de pena vão à frente, num passo leve e cadenciado;

Mutucas ou torcedores - Nos bois de antigamente as mulheres eram proibidas de brincar. O que elas podiam fazer era acompanhar a brincadeira. Eram as mutucas, esposas ou amantes, quem recolhiam os chapéus, embrulhando-os em lençóis. Com a mudança dos costumes, as mulheres puderam ocupar um lugar na brincadeira e hoje são "índias" e até "vaqueiros" e "rapazes", integradas ao cordão;

Burrinha - armação de cipós e buriti, no feitio (mais ou menos perfeito) de um burro, recoberta de pano e pendurada aos ombros do brincante por meio de uns suspensórios. Uma barra de tecido esconde as pernas verdadeiras do homem que lhe dá movimento;

Bichos - Em alguns bois (no de Guimarães é característico) aparecem bichos feitos de madeira, esculpidos: carneiro, bode, águia, conduzidos no alto de uma vara, além de uma boneca gigante - a Caipora, Panducha ou Dona Maria. Hoje, por influência da TV, ela é apelidada com nome de pessoas famosas como Xuxa, Grampola etc. Um homem, sob suas saias, empresta-lhe vida e a leva acima e abaixo fazendo-a abrir e fechar os braços longos.

Sotaques e instrumentos

O Bumba meu boi pode ser classificado em três principais sotaques ou estilos: Zabumba, Matraca e Orquestra, ou Boi de Música. Alguns autores discordam, acrescentando outros sotaques: o de Cururupu e da Baixada.

Boi de Zabumba é mais África, ele caracteriza-se inteiramente pelos tantãs enormes, os zabumbas, levados numa vara e tocados com uma maceta (um pedaço de pau). O ritmo é cadenciado. Às vezes até se apressa num "alegro", mas fica muito aquém da excitação convulsa das matracas. Não há dúvida de que é o mais antigo.

Boi de Matraca é o mais excitante. É caracterizado pelas duas, três, cinco, dezenas de tabuinhas, de aproximadamente 30x10cm, batidas freneticamente umas contra as outras, fazendo crescer o entusiasmo, referve a brincadeira. É o clímax. Chega-se à exaustão. Então, o compasso se altera, os músculos relaxam, o ritmo se acalma, tudo se acerta e reajusta.

Boi de Orquestra é o mais recente. A música é faceira, panteísta. Conta o pessoal de Rosário (cidade do interior do estado) que ele surgiu graças ao saxofone de um certo músico que, vindo de uma tocata, deparou-se com o boi. Contagiado por aquela poesia, procurou acompanhar-lhe a melodia e, por fim, incorporando-se ao conjunto, faz nascer o Boi de Música!

Cururupu e da Baixada constituem casos à parte e se destacam dos demais por certas peculiaridades dos meios em que se desenvolveram. O de Cururupu é também chamado Boi de Costa de Mão porque seus pequenos pandeiros são tocados singularmente com as costas das mãos. Também diferem na indumentária - dolmãs e calções de veludo bordados. Os chapéus são pequenos cogumelos cobertos de fitas multicores e ostentam no alto lindas grinaldas de flores. O da Baixada, mesmo sendo de matraca, possui um ritmo muito mais lento. Usa calças e blusas de cetim, saiotes e golas de veludo ricamente bordadas e franjadas com miçangas e canutilhos, os são chapéus armados e suas palas crescem a cada ano.

Informações de acordo com "Universo do Bumba-Meu-Boi", de Carlos de Lima.