PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO N° 200910000000253
RELATOR: CONSELHEIRO JORGE ANTONIO MAURIQUE
REQUERENTE: EDMILSON DA COSTA LIMA
REQUERIDO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO
ASSUNTO: AFASTAMENTO DE MAGISTRADO PARA CURSO NO EXTERIOR
DECISÃO MONOCRÁTICA
VISTOS,
Trata-se de procedimento de controle administrativo, instaurado pelo Juiz de Direito EDMILSON DA COSTA LIMA, em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO, por meio do qual insurge-se contra o indeferimento de seu pedido de afastamento para fins de estudos no exterior.
Afirma que pediu afastamento de suas atividades funcionais para freqüentar o curso de mestrado em direito administrativo na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Portugal. Reconhece a discricionariedade do TJMA para deferir ou não pedidos de afastamento para estudos de pós-graduação, todavia, ressalta a necessidade de referido juízo encontrar certos limites, como o princípio constitucional da proporcionalidade, de modo a não ferir a legítima expectativa de direito dos magistrados e não caracterizar a decisão como arbitrária ou abusiva. Frisa que, conforme a Resolução do TJMA n° 09, de 01.03.00, é permitido que até quatro magistrados, simultaneamente, sejam autorizados a se afastar de suas funções para participar de cursos de pós-graduação, enquanto que, atualmente, apenas dois encontram-se formalmente afastados. Alega que apesar de não haver juiz substituto, na ausência de responsável por sua comarca, responderão os juízes da vara de Parnarama, da 1ª e 2ª varas de Timon, e que seu primeiro substituto é responsável pelo trâmite de 459 processos, o que seria pouco, comparado aos 7 mil processos em andamento na comarca da capital. Além disso, entende ser o afastamento de qualquer magistrado, por si só, sempre será considerado um prejuízo à prestação jurisdicional, sendo, portanto, essencial que tal prejuízo seja substancial, que ponha sensivelmente em risco e de forma duradoura a boa prestação jurisdicional. Aduz que, caso a negativa de seu Tribunal subsista, inviabiliza-se o escopo da lei em permitir maior aperfeiçoamento profissional de parcela dos membros da magistratura, o que trará benefícios ao Poder Judiciário do Maranhão e para a sociedade, que ganham em qualidade na prestação jurisdicional. Aponta contradição na decisão do Tribunal de Justiça, pois foi concedido afastamento a juiz da comarca de Imperatriz por dois anos, onde tramitavam 765 processos e onde já se encontravam cerca de 5 juízes afastados por outros motivos. Argúi que a realização de concurso público para o preenchimento de cargos vagos no estado suprirá a demanda judicial em curto e médio prazo.
Requer, liminarmente e no mérito, que continue a freqüentar o curso de mestrado na Universidade de Lisboa, sem prejuízo dos vencimentos, apontando, como risco de dano de difícil reparação, a inviabilidade de realização do curso, que já iniciou. Pugna pela desconstituição da decisão plenária do TJMA, qual negou seu pedido em 07.01.09.
O Tribunal requerido junta cópia integral do processo administrativo em que se indeferiu o pedido do requerente, mantendo as razões anteriormente expedidas, as quais se resumem por (a) inexistirem juízes substitutos atualmente no Estado do Maranhão, razão pela qual há certame em andamento, e (b) o afastamento de mais um magistrado causará significativos prejuízos à boa prestação jurisdicional.
É o relatório. DECIDO.
I – Registre-se, inicialmente, que a questão de fundo – critérios para permissão de afastamento de magistrado para fins de pós-graduação no exterior – é nitidamente de caráter discricionário, como, aliás, reconhece o requerente. A análise que deve ser feita aqui está delimitada a um juízo de legalidade na negativa da decisão de origem.
Nesse sentido, estabelece a Resolução nº 64 deste Conselho, em seu art. 6º que:
Art. 6º No exame do pedido, o Tribunal, mediante decisão objetivamente fundamentada e tomada em sessão aberta, deverá levar em conta os seguintes requisitos:
(...)
II – para deferimento do pedido, observado o art. 8º:
(...)
b) a conveniência e oportunidade para a Administração Pública;
c) a ausência de prejuízo para os serviços judiciários.
Vide, por oportuno, a seguinte decisão monocrática, prolatada pelo e. Cons. Antonio Umberto de Souza Júnior, acerca da interpretação mais atual da norma em comento:
“A regra do art. 4º, parágrafo único, da Resolução nº 8/2006/TJBA, é lícita e razoável. Como pontuado na inicial, a regra legal de afastamento de magistrados para cursos está alojada no art. 73, I, da Lei Complementar nº 35/79 - LOMAN, que subordina a concessão "a critério do tribunal". Obviamente, tal critério há ser escravo dos princípios regentes da Administração Pública, em especial a impessoalidade, a publicidade e a moralidade. E a Corte baiana, ao estabelecer parâmetros estáveis e públicos para nortear suas decisões, promoveu autolimitação discricionária razoável. Afinal, o grau de complexidade e exigência dos cursos de pós-graduação stricto sensu (Mestrado e Doutorado - Resolução CNE 1/2001) é significativamente mais elevado que aquele presente nos cursos de pós-graduação lato sensu (Especialização). Ademais, a fartura de ofertas de cursos de especialização no Brasil é bem maior que a de mestrados e doutorados. Razoável, portanto, o critério adotado.
Ademais, abre-se aqui, desde que por critérios objetivos, amplo espaço discricionário onde a conveniência administrativa é o norte fundamental, como já declarou este Conselho (PP 200810000006743, Rel. Cons. JOÃO DALAZEN, j. 29.4.2008).
Quanto ao Tratado de Bolonha, ele de fato reconfigurou o ensino superior no âmbito da União Européia, dividindo-o em 3 ciclos: licenciatura, mestrado e doutorado. Todavia, tal reforma não aboliu nem proibiu os cursos de pós-graduação lato sensu. Consulta ao sítio da Faculdade de Direito de Coimbra (www.uc.pt/fduc/cursos) revela que tais cursos convivem com os 3 ciclos de que fala o Tratado de Bolonha. E é uma pós-graduação lato sensu que pretendeu o requerente cursar. Logo, não é real a equivalência imaginada.
Sendo válido e auto-suficiente o fundamento invocado pelo tribunal, não vislumbro plausibilidade na pretensão, razão pela qual INDEFIRO A INICIAL de plano, determinando o ARQUIVAMENTO deste PCA.”
(PCA 200810000018435, relator Conselheiro Antonio Umberto de Souza Júnior, j. em 07.08.2008, decisão monocrática)
Por conseguinte, o afastamento do suplicante constitui direito relativo, condicionado a juízo de conveniência e oportunidade administrativas de seu Tribunal, pautados em dados de sua Corregedoria Geral de Justiça.
II – Por outro turno, verifico do teor das informações juntadas que, apesar de sucintas, não há evidência de ilegalidade na negativa, fundada nas premissas anteriores (discricionariedade e ausência de prejuízo ao Judiciário local).
O fato da Resolução n° 09/TJMA permitir que até quatro magistrados possam estar simultaneamente afastados para cursar pós-graduação no estrangeiro não significa que deve o Tribunal esgotar sua quota máxima de concessões. A norma traduz um parâmetro máximo, tão-somente. Pode inclusive o Tribunal, se assim entender, não autorizar qualquer membro ao afastamento. Mas, se permitir um apenas, não significa que deve permitir todos os quatro, num período coincidente, à toda evidência.
Esse entendimento encontra respaldo no leading case deste Conselho, cuja ementa ora se transcreve:
“RECURSO ADMINISTRATIVO. AFASTAMENTO PARA ESTUDOS. ART. 73 DA LOMAN. LICENÇA REMUNERADA.
1. Compete ao Tribunal a que estiver vinculado o magistrado, examinar, em face de cada caso, se concede, ou não, licença remunerada para freqüência a curso.
2. O afastamento de magistrado para estudos não é direito absoluto do magistrado, mas condicionado a razões de conveniência administrativa, em que é soberana a avaliação do Tribunal.
3. O fato de o Tribunal haver concedido licença remunerada a uma colega, em outra ocasião, por período bem mais reduzido, não implica inobservância do princípio da isonomia porque a questão supõe, antes, ponderação de oportunidade, conveniência e viabilidade pela Administração da Corte, o que oscila em face das circunstâncias.
4. Recurso Administrativo conhecido e desprovido.”
(PP 200810000006743, relator Conselheiro Ministro João Oreste Dalazen, j. em 29.04.2008)
Assim, ao menos diante dos elementos colhidos nos autos, não vejo ilegalidade manifesta na negativa administrativa.
III – Por derradeiro, mister ressaltar que, conforme noticiado largamente na imprensa, o Tribunal a quo perpassa por significativas dificuldades na Administração da Justiça, motivo pelo qual evidencia forte indício da necessidade de conter seus membros na jurisdição, tendo em vista os problemas gerais da Justiça maranhense, apontados pelo Exmo. Sr. Ministro Corregedor Nacional de Justiça, por ocasião da publicação do relatório, apresentado na sessão plenária de 27.01.09.[1] Evidentemente que a amostragem, reportada a este Conselho, é geral e não permite concluir onde exatamente se concentra o problema na magistratura de primeira instância. Todavia, o quadro é, ainda, muito preocupante com relação às sérias dificuldades enfrentadas por aqueles que militam na primeira instância, mormente, nas comarcas do interior do Estado.
Portanto, tenho por plenamente justificada as razões lançadas pela Corte de origem, não merecendo qualquer reparo.
IV – Em razão do exposto indefiro o pedido, nos termos postos.
Intime-se e arquive-se.
Brasília, 18 de fevereiro de 2009.
Conselheiro
Relator
[1] Vide, em especial, os itens 7, 17 e 19.1, da Portaria nº 83/2008 da Corregedoria Nacional de Justiça, disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/maranhao_relatorio_final_3.doc