PRISÃO DOMICILIAR
Presos: João Batista Alves da Silva, Wanderson Pereira de Sousa, Wanderson Mendes Gonçalves, Francinaldo da Silva Santos e Antonio do Arroz
DECISÃO
Inspecionando as duas celas da Delegacia do 1.º Distrito de Polícia de Bacabal, constatei a superlotação (13 presos por cela), a falta de ventilação, de iluminação e de condições mínimas de higiene, de espaço para dormir e local para fazer suas necessidades fisiológicas.
Essa realidade desumana e cruel tem levado os presos a contrair infecções e outras doenças, como pneumonia, tendo sido registrado recentemente a morte de preso Jackson, que chegou ferido e contraiu infecção na cela e veio a falecer.
Ressalte-se os casos dos presos Wanderson Pereira de Sousa e Wanderson Mendes Gonçalves, que se encontram, respectivamente, com ferimento acima do umbigo e pneumonia.
Manter os presos na situação em que se encontram, atenta contra a dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana consubstancia fundamento do Estado Democrático de Direito, em seu art. 1º, inciso III, da Constituição da República.
Segundo o jurista Alexandre de Moraes, “A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos" (in Direitos Humanos Fundamentais, 2ª edição, São Paulo: Atlas, 1998, p. 60).
Os dados da realidade dos presos na Delegacia do 1.º Distrito de Bacabal violam frontalmente o princípio constitucional da dignidade humana, conforme preceitua o art. 5º, inciso III, da Constituição da República, a saber:
"Art. 5º. Omissis
(...)
III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
(...)
XLIX - É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.
Essa ofensa é também ao direito internacional. Rege a Declaração Universal dos Direitos Humanos:
"V - Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante".
Essa realidade desrespeita a Lei de Execução Penal (Lei n.º 7.210/84):
“Art. 82. Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso.
(...)
Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva.
(...)
§ 2º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam amamentar seus filhos.
Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.
§ 1° O preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes.
(...)
Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.
(...)
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados)”.
Os direitos dos presos, elencados na Lei de Execução Penal, são violados:
Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.
Art. 41 - Constituem direitos do preso:
I - alimentação suficiente e vestuário;
II - atribuição de trabalho e sua remuneração;
III - Previdência Social;
IV - constituição de pecúlio;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI - chamamento nominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente”.
É a própria Lei de Execuções Penais que estende aos custodiados provisórios os direitos conferidos aos condenados:
"Art. 2º. Omissis
Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária";
A Lei de Execução Penal cuida dos estabelecimentos para os presos provisórios, denominando de Cadeia Pública:
"Art. 102. A Cadeia Pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios;
Art. 103. Cada Comarca terá, pelo menos, uma Cadeia Pública a fim de resguardar o interesse da Administração da Justiça Criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar;
Art. 104. O estabelecimento de que trata este Capítulo será instalado próximo de centro urbano, observando-se na construção as exigências mínimas referidas no art. 88 e seu parágrafo único desta lei".
Na verdade não existe “Cadeia Pública” na comarca, mas apenas celas improvisadas nas dependências da Delegacia de Polícia do 1.º Distrito, em frontal desrespeito à Lei de Execução Penal e aos direitos humanos.
A prisão provisória ou definitiva subtrai do preso apenas a sua liberdade, sendo-lhe assegurados os demais direitos, como previsto no art. 3.º da Lei de Execução Penal:
“Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.”
Manter a prisão nas condições cruéis e degradante é consentir com essa indignidade e com a violação de direitos humanos do preso. O pior: não tem cadeia pública no Estado para abrigar esses presos. Todas estão em situação deplorável e muitas em fase de interdição. Em São Luís, não é outra a realidade, inclusive do Centro de Defesa Provisória (Cadeião), com notícias recentes de tortura pela Força Nacional, mortes e fugas.
O sistema carcerário estadual, inclusive para os presos provisórios, é um verdadeiro caos e afronta aos postulados e discursos da “Segurança Cidadã” e aos direitos humanos. A exceção, quanto ao estabelecimento de cumprimento de pena, é o Centro de Recuperação de Presos-CRP de Pedreiras, em face da intervenção do juiz Douglas Martins em limitar o número de presos, e da administração agora pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados-APAC.
Os delegados de polícia, em desvio de função, terminam cuidando de presos, quando têm como atribuição constitucional presidir inquéritos policiais e investigar crimes.
Não tendo alternativa, resta uma medida extrema, mas juridicamente possível: a prisão provisória domiciliar.
A Lei de Execução Penal prevê apenas a chamada “prisão albergue domiciliar”, em seu art. 117:
“Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
I - condenado maior de 70 (setenta) anos;
II - condenado acometido de doença grave;
III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV - condenada gestante”.
A jurisprudência tem admitido a prisão domiciliar em regime aberto, na ausência de Casa de Albergado, como recomenda o art. 266 do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, bem como para presos em regime semi-aberto e até fechado.
STJ: "Inexistindo vaga em Casa de Albergado, o cumprimento da pena em estabelecimento destinado a condenados submetidos a regime mais rigoroso configura manifesto constrangimento ilegal. 2. Impõe-se a possibilidade de que o sentenciado a que foi determinado o regime aberto cumpra sua pena em prisão domiciliar, até que surja vaga em estabelecimento próprio. 3. Recurso provido"(RHC n. 16649, Rel. Min. Hélio Barbosa, DJ 18.04.2005, p. 394).
STJ: "Decreto condenatório. Regime semi-aberto. Inexistência de vaga em estabelecimento próprio. Imposição de regime mais rigoroso. Ilegalidade.1. Imposto, no decreto condenatório, o regime semi-aberto, não haverá de o paciente cumprir a pena em regime mais rigoroso – fechado –, situação que configura constrangimento ilegal. 2. Quando não há vaga em estabelecimento prisional próprio, impõe-se o cumprimento da pena em prisão domiciliar.3. Agravo regimental improvido” (AgRg no REsp 682.122/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 09.05.2006, DJ 01.08.2006 p. 563)
STJ: “PENAL. PROCESSUAL. EXECUÇÃO. REGIME FECHADO. PRISÃO DOMICILIAR. SEPTUAGENARIO ACOMETIDO DE DOENÇA GRAVE. SUBSTITUIÇÃO. ADMISSIBILIDADE. "HABEAS-CORPUS". 1. contando o paciente com mais de 85 anos, e estando acometido de doença grave, cabivel a interpretação analógica do art. 117, da LEP, embora condenado a regime fechado. 2. Pedido conhecido e deferido para determinar que o paciente seja colocado no regime de prisão domiciliar, guardando-se as devidas cautelas” (HC 5466 SP 1997/0003146-2, Relator(a): Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, DJ 15.09.1997 p. 44397, RT vol. 746, p. 543).
A prisão domiciliar tem sido admitida excepcionalmente em caso de prisão do devedor de alimentos, prisão provisória especial e prisão preventiva:
TJRS: “HABEAS CORPUS. PRISÃO ESPECIAL. PRISÃO DOMICILIAR. PRISÃO PREVENTIVA - A prisão provisória domiciliar pode ser autorizada pelo juiz, considerando a gravidade e as circunstâncias do crime, se não houver prisão especial no Estado em que tem domicílio a pessoa presa preventivamente. Admitindo-se interpretação contrária, em face da inexistência de prisões que atendam os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana, conforme a redação do § 3º do art. 295 do CPP, em vez de diminuir as regalias existentes, estender-se-á a todos os presos especiais o direito à prisão domiciliar, pois, como se sabe, não há cela em nosso País que atenda, rigorosamente, os requisitos agora exigidos. Desse modo, não haverá preso especial preso. Orientação de Damásio de Jesus. Habeas corpus negado, à unanimidade” (Habeas Corpus Nº 70006285662, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 22/05/2003)
TJRS: “AGRAVO EM EXECUÇÃO. FURTO QUALIFICADO. 1. CONDENAÇÃO PROVISÓRIA. REGIME ABERTO. PRISÃO DOMICILIAR. A prisão domiciliar é restrita as hipóteses previstas no art.117 da LEP, admitida, excepcionalmente, quando não houver local adequado para a prisão especial. Não existindo estabelecimento para o preso especial (Albergue), poderá ser ele recolhido no estabelecimento carcerário coletivo, desde que em cela distinta dos demais e atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana. Inteligência do art. 295 do CPP, com redação da Lei nº 10.258, de 11.7.01. À unanimidade, negaram provimento ao agravo” (Agravo Nº 70005952247, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roque Miguel Fank, Julgado em 04/06/2003)
STJ: “Processual Civil - Habeas corpus - Pensão alimentícia - Inadimplemento - Prisão domiciliar - Cabimento - Lei de Execução Penal - Inaplicabilidade. Habeas corpus. Prisão civil. Regime domiciliar. Paciente idoso e doente. Aplicação excepcional das LEP.- Em regra, não se aplicam as normas da Lei de Execuções Penais à prisão civil, vez que possuem fundamentos e natureza jurídica diversos. - Em homenagem às circunstâncias do caso concreto, é possível a concessão de prisão domiciliar ao devedor de pensão alimentícia” HC 57915 - SP - 3ª T. - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros - J. 03.08.2006)
STJ: “CONSTITUCIONAL – PROCESSO PENAL – RECURSO EM HABEAS CORPUS PRISÃO DOMICILIAR – POSSIBILIDADE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 4. Ainda que não satisfeitos os requisitos específicos do artigo 117 da Lei de Execução Penal, a prisão domiciliar também pode ser concedida a preso provisório cujo estado de saúde esteja débil a ponto de não resistir ao cárcere, em respeito à dignidade da pessoa humana. Precedentes. 5. Nessa hipótese, o benefício deve perdurar apenas enquanto a saúde do agente assim o exigir, cabendo ao Juízo de 1º Grau a fiscalização periódica dessa circunstância, o mesmo podendo ocorrer na hipótese de os hospitais credenciados ao sistema penal virem a oferecer os serviços de saúde dos quais necessitam o agente” (RHC 22.537/RJ, Rel. Ministra JANE SILVA, Desembargadora convocada do TJ/MG, SEXTA TURMA, julgado DJ 12.05.2008 p. 1).
Em razão do exposto, de ofício, converto a custódia dos presos João Batista Alves da Silva, Wanderson Pereira de Sousa, Wanderson Mendes Gonçalves, Francinaldo da Silva Santos e Antonio do Arroz, desta Vara, em prisão domiciliar até que sejam feitas as reformas necessárias para garantir o mínimo de respeito aos seus direitos, inclusive de sua própria vida, mediante termo de compromisso de que, só sairão de seus domicílios por autorização expressa deste Juízo e, em caso de descumprimento, retornarão à unidade prisional.
Junte-se uma via desta decisão nos processos respectivos.
Bacabal-MA, 07 de abril de 2009.
CARLOS ROBERTO GOMES DE OLIVEIRA PAULA
Juiz de Direito da 2.ª Vara