NAS PEGADAS DA CONSTITUIÇÃO. NEM BACAMARTE, NEM JAVERT

Por Celso Coutinho, filho

É curioso, chega a ser intrigante, como um mesmo acontecimento pode ser percebido de tantas formas diferentes por observadores de boa fé. As nossas percepções dependem de vários fatores que nos influenciam no momento exato da observação e de outros amealhados ao longo da vida. Sem nos dar conta, é muito comum, nessas horas – de observação de um fato - a interrupção da percepção pelo fenômeno do “reconhecimento”. Explico. Não raro, quando nos deparamos com um fato e iniciamos o processo de percepção, o objeto cognoscível é capturado por algo que já se encontra recolhido na nossa mente, momento em que, subitamente, interrompemos a ação intelectiva, sem mais qualquer preocupação se aquele objeto esconde algo que nos é desconhecido. De outro lado, nos casos em que o objeto cognoscível não é capturado, também é usual cessarmos repentinamente o processo de percepção, apressando-se na formulação de julgamentos fáceis, v. g., “isso é muito estranho” ou “é fora da realidade”.

Num e noutro caso, a interrupção do processo intelectivo deve-se ao pouco alcance que damos à realidade. Esse processo estender-se-ia buscando maiores esclarecimentos se nos déssemos conta de que a realidade não se resume àquilo com que nos deparamos no momento exato em que se inicia a percepção. Nessa hora, é injuntivo notar que aquele instante em que nos encontramos é somente parte de um processo muito maior e mais complexo que já se desenvolve há mais tempo e que ali não se encerra. Aproveito para citar Oscar Motomura, Diretor Geral do Grupo Amana Key, um centro de excelência na formação, desenvolvimento e atualização de líderes: “Minha própria experiência é que quanto mais entendemos a grande realidade na qual vivemos, mais humildes nos tornamos. Adquirimos um respeito excepcional por todos os seres vivos - sem qualquer exclusão. Passamos a ter um relacionamento melhor com todos. Desenvolvemos uma nova ética, não nos deixando levar por falsos valores. Conseguimos viver sem ansiedades, com mais flexibilidade e tolerância. Quanto melhor entendemos essa realidade, mais claramente enxergamos as formas de dar significado às nossas vidas, principalmente através do nosso dia-a-dia. Cada ato nosso, por mais simples que seja, passa a ser vivenciado com uma forte consciência de que ele está afetando a existência do todo em seus planos mais sutis”.

Cumpre ressaltar que a explanação que fiz acima somente é válida considerando os observadores de boa fé, aqueles que laboram no afã de, realmente, tentar compreender aquilo que está à frente. Os de má fé constituem outro grupo, qual seja, o daqueles que adrede não querem compreender nada, mas, sim, distorcer. Somente com os primeiros - os de boa fé - vale a pena debater. Os do segundo grupo são, intelectualmente, tão insipientes que inspiram o exercício da misericórdia.

Será que temos a exata consciência de que o Ministério Público não nasceu na gestão da Administração Superior que aí está, nem nas gestões que a antecederam nestes últimos vinte anos? E, se portadores dessa consciência, sabemos em que condições o Ministério Público existia antes? Terá sido alguma mágica, que nos escapa à razão, que deu ao Ministério Público a envergadura constitucional que tem hoje? Não! Não foi uma mágica, nem foi fruto da pura bondade e benevolência dos legisladores constituintes de 1988. Foi resultado de um trabalho árduo, competente e obstinado de membros do Ministério Público de um tempo em que a maioria de nós, membros de hoje, ainda cursava a faculdade, muitos o antigo científico e alguns havia pouco largado as fraldas.

Não dá pra chegar, agora, e dizer “que está estranho”, “que está tudo errado, vocês já não servem e com licença que quem sabe aqui sou eu”. Por mais que façamos, dificilmente conseguiremos igualar a conquista desses próceros membros do Ministério Público legando-nos a Seção I, do Capítulo IV, do Título IV, da Constituição da República de 1988. Então não devemos fazer nada, é isso? Claro que não é isso. Só não entenderá quem não quiser entender. A esses não tenho nada a dizer, só a lamentar, perorando com Jonathan Swift, escritor irlandês que viveu nos estertores da Idade Moderna: “É inútil tentar fazer um homem abandonar pelo raciocínio uma coisa que não adquiriu pela razão”.

Para aqueles efetivamente interessados no debate propositivo, estou, apenas, afirmando que podemos e temos que fazer a instituição avançar, modernizar-se, profissionalizar-se, sem, contudo, deixar de reconhecer que tudo que se faça somente é possível em razão de um processo que já vem se desenvolvendo, com erros e acertos, iniciado muito antes de nós, que continua a se desenvolver no presente e que continuará no futuro, quando não mais estivermos por aqui, sempre com erros e acertos. Se partirmos para uma porfia, procurando sangrar o que está à frente, preparemo-nos para a derrocada de todos com, aí sim, a interrupção desse processo que, hoje, mais do que conquistas, é de afirmação.

Não vou me alongar, aqui, no exemplo que vou registrar. Tomemos a forma de escolha do Procurador-Geral de Justiça, que a maioria, ao que parece, concorda que merece ser aperfeiçoada, mas, enquanto não o for, dever ser respeitado o que está na Constituição. Muitos, no entanto, só se põem a criticar duramente sem se dar conta de que essa forma atual é um avanço ao que existia dantes. É sabido de todos que o Chefe do Executivo podia escolher um advogado para ser o Chefe do Ministério Público. Isso mesmo. Antes, o Procurador-Geral de Justiça podia ser escolhido entre aqueles que nem membros da instituição eram. Não é para se contentar, mas, sim, para refletir que a mudança que se imponha agora será conseqüência de uma luta que outros, lá trás, também já travaram e nos deixaram o legado para continuar.

O debate proposto pelo colega Sandro Bíscaro, em seu artigo “Palmas no”, é o que precisamos travar no seio do Ministério Público. Refere-se a um dos nossos grandes desafios. Dotar os promotores e procuradores de justiça das condições necessárias para o desempenho eficiente e otimizado de suas atribuições em conformidade à outorga constitucional. Em essência as nossas discordâncias são mínimas, embora existam, o que é perfeitamente normal. Destaco a alusiva às palmas que, a despeito de dar-lhe total razão para o protesto em face das palmas no Ministério Público, divirjo quanto às palmas para o Ministério Público. Para o Ministério Público eu bato palmas, e de pé!

Nada me fará confundir a instituição com as pessoas que dela fazem parte e de quem se possa, aqui ou acolá, discordar. Este é um erro que se tem cometido com graves consequências para a imagem do Ministério Público. Há quem possa objetar que a imagem do Ministério Público está prejudicada pelas pessoas que o dirigem. É uma via fácil e cômoda para nos afastar dos problemas, que só dificulta o desenvolvimento do debate e deixa, cada vez mais longe, o tão sonhado profissionalismo. É demasiado enxergar ignomínias em tudo o que se discorda e que achamos estar errado. Por que temos que ver naquele em quem não concordamos alguém sempre mal intencionado, não comprometido com a instituição? Com efeito, os há, mas é preciso distinguir bem e concretamente, caso a caso, para denunciar especificamente, sem vulgarizações. Não dá para aceitar que, toda vez que alguma coisa é feita e com a qual não concordamos, se perceba, nisso, uma conspiração contra a instituição.

Nem por isso, devemos deixar de reconhecer que erros são cometidos e sempre serão. Repiso que, apenas, não podemos olvidar os acertos como se fôssemos o vestíbulo da salvação. É um processo que começou antes de nós e que nos perpassará. Precisamos acautelar a instituição da pecha da desconfiança com que alguns de seus membros se entreolham. Pior, ainda, é o olhar de desprezo, às vezes de desdém mesmo, dispensado àqueles que ousam dizer que não é bem assim, que muito pode ser feito com o que se tem, mas que não se pode dar de ombros para as dificuldades. Precisamos discutir aquilo que achamos errado e, não, amaldiçoar quem o cometeu. Se tivermos essa cautela, conseguiremos debater todas as nossas angústias, especialmente as nossas condições de trabalho.

Chamar, por exemplo, de desculpa a limitação orçamentária do Ministério Público em Estados do porte econômico e financeiro como o Maranhão é apequenar um grave e sério problema, revelando um profundo desconhecimento da realidade da instituição ministerial nesses Estados. Esse é um tema que daria outro artigo. Mas, só para deixar como objeto de reflexão, recolham-se a uma exame interior e pensem nos tamanhos físicos dos quadros de pessoal do Ministério Público e do Poder Judiciário nos Estados. Representamos apenas um terço daquele Poder? Foi o que achou o legislador ao dispor o art. 20, inc. II, alíneas “b” e “d”, da Lei Complementar nº 101/2000, a epitetada Lei de Responsabilidade Fiscal. Nem falo igual; mas um terço?! O Poder Legislativo e o Tribunal de Contas do Estado que, juntos, possuem somente 02 (duas) sedes no Maranhão todo, ficaram com o limite comum de 3% (três por cento) da receita corrente líquida de cada período de apuração. O Ministério Público, sediado em 110 (cento e dez) Comarcas, ficou limitado a 2% (dois por cento). A Assembleia Legislativa do Maranhão é composta por 42 (quarenta e dois) deputados, o Tribunal de Contas do Estado compõe-se de 07 (sete) conselheiros, enquanto, no Ministério Público deste Estado, somos quase 300 (trezentos) entre promotores e procuradores de justiça.

As críticas que se façam não podem ser desacompanhadas desse reconhecimento, como visto acima, sobre o que já foi feito. O contrário vem a ser um insulto contra valorosos membros que nos antecederam nesta luta e outros contemporâneos que a vêm travando há mais tempo. É uma postura arrogante comparecer neste debate com uma infalível receita da perfeição, como se alguém a tivesse obtido pelo poder da revelação, sem que nada ou quase nada possa ser retirado ou acrescentado. Sei que não é isso, mas é o que, às vezes, parece e, dessa forma, espalha óbices ao progresso das discussões em torno das questões institucionais e administrativas.

Do mesmo modo, as ideias do presente não devem ser recebidas com a má vontade de que falei acima, pensando-se que o único intuito é tumultuar ou de que são fora da realidade. Absolutamente, não. O respeito que sustento tem dois sentidos, o de ida e o de volta. Não presta ajuda ao debate, por exemplo, o argumento de que hoje está é bom porque, tempos atrás, não havia nem computador e que se trabalhava era com máquina de datilografar. Se tomarmos como válida essa argumentação, os únicos que terão reconhecida sua operosidade e valor serão aqueles que tinham o bico de pena como instrumento de trabalho.

Os que já se encontram no Ministério Público há mais tempo devem, também, saber ouvir e creditar o que a nova geração tem a dizer, devem confiar na vontade destes em fazer a instituição avançar positivamente. Precisamos dar continuidade aos acertos e fazer a correção de rotas quando necessária, sem vitupérios contra aqueles que já deram, sim, suas contribuições para a instituição, contra os que ainda estão dando e contra os que querem e irão dar.

Devemos ser intransigentes na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sem, no entanto, estarmos atuados pelo espírito de Simão Bacamarte (criação machadiana, na obra “O Alienista”) ou de Javert (personagem da obra “Os Miseráveis”, de Victor Hugo). Não existe um salvador entre nós. Somos todos humanos, personalidades da vida real, com as suas vicissitudes e idiossincrasias. Não há Revolta dos Canjicas ou força revolucionária que dê jeito. Ninguém escapou das obsessões de Bacamarte e de Javert, nem eles próprios.

Devemos nos olhar com respeito e sem as desconfianças bacamartianas ou javertianas. Que se digladiem as ideias e, não, as pessoas. Que se esgrimem as propostas e, não, os dedos em riste. Que o debate se desenvolva com a consciência de que todos os seus atores têm contribuições a dar. Não se pode achar que só um tem a régua onde se mede o certo e o errado.

Em verdade, nós, os mais jovens, temos muito mais a aprender do que a ensinar. Aliás, para citar um exemplo, quem ouvi, primeiro, falar que o Ministério Público deve crescer e não inchar (a expressão é dele), com descentralização administrativa, há, aproximadamente, quinze anos atrás, foi Hugo Nigro Mazzilli, Procurador de Justiça aposentado do Estado de São Paulo. Sei que posso estar cometendo injustiça, por desconhecer outros que, antes dele, já defendessem essa bandeira.

Há um provérbio chinês que diz: “uma caminhada de mil léguas começa com o primeiro passo”. Vários passos já foram dados. Não temos, hoje, o nada como ponto de partida. Passos estão sendo dados e outros haverão de ser palmilhados. A única forma de reduzirmos ao máximo os erros nessas tomadas de posição à frente é fazer o debate que interessa, com as cautelas e os reconhecimentos aos quais me referi acima.

Malgrado, o debate é uma exigência para o aprimoramento do Ministério Público e não labora a favor da instituição quem o obstaculiza seja de qual modo for, inclusive furtando-se a ele ou travando-o com força desmedida, pois, por certo, neste último caso, amanhará, no lugar da peleja de propostas, a disputa pelo posto de guardador da verdade.

O tema sobre criação de cargos de promotor de justiça já foi colocado pelo colega Sandro Bíscaro em outras ocasiões, sempre defendendo com convicção seu posicionamento. Já foi, inclusive, contestado com uma virulência desnecessária, ocasião em que o defendi, dizendo que é uma proposta. E, como tal, não pode ser contestada com uma simples negativa. Instalando-se o bom debate, quem sabe ele convença os descrentes sobre o acerto de seu pensamento ou, mesmo, ele próprio se convença do contrário ou, ainda, surja uma nova proposição, melhor acabada. Essa é a encantadora beleza do debate propositivo. Para tanto, contudo, é preciso que todos estejam propensos a debater com a humildade de saber que nossas propostas não são irrefutáveis, nem as propostas dos outros se impregnam, inexoravelmente, pelo erro, pela má fé, cujo principal vício, no fundo, é não ser nossa.

Nesse sentido, a proposta posta pode perfeitamente ser defrontada com outras. Por exemplo, estabelecer tratativa com o Poder Judiciário no sentido do agrupamento de todas as comarcas situadas no entorno da Capital São Luís/MA, ao menos as da Ilha de Upaon Açu (quatro em seu total), reunindo-as em uma grande comarca metropolitana, de entrância final, à semelhança (falei semelhança) dos Estados do Paraná e do Rio de Janeiro. Isso conferirá maior liberdade para uma redefinição das Promotorias de Justiça já existentes e das recém criadas, dotando, os municípios do número desejável de Promotorias ou o mais próximo disso. São apenas propostas germinais às quais outras devem se somar para, do confronto de uma com as outras, haurimos a conclusão mais razoável.

Por óbvio, que somos obrigados a pensar no dimensionamento do Ministério Público conforme as suas próprias necessidades e, não, de acordo com as necessidades do Poder Judiciário. Contudo, é de fundamental importância ter-se muito cuidado no desenvolvimento desse debate, para não se perder de vista o disposto no Art. 37, inc. XI, e no art. 129, § 4º, da Constituição Federal, e no art. 42, § 2º, no art. 72, incs. IV e VII, da Constituição do Estado do Maranhão, dos quais extrai-se que o Ministério Público possui dimensão constitucional paritária com o Poder Judiciário, o que é uma das maiores conquistas já alcançadas e que vem sendo mantida por todos os gestores, até aqui, sem que muitos se dêem conta das dificuldades para isso, dos frequentes ataques que sofremos em nossas garantias. Imprescindível, também, que se aperceba o que está consignado nas cabeças do art. 127 da Constituição Federal e do art. 94 da Constituição deste Estado. Pelas normas constitucionais indigitadas, o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Essencial à função jurisdicional do Estado. Isso tem um sentido bem definido. Lembremo-nos: por vezes recebemos apoios inestimáveis de organizações não governamentais, mas, se tenha claro, o Ministério Público não é uma ONG.

Temos, com efeito, autonomia administrativa e devemos, por isso, dar forma ao Ministério Público levando em conta suas particularidades dispostas nas Constituições da República e dos Estados. Porém, muita atenção nessa hora. Acautelemo-nos para não transmudar a nossa autonomia administrativa de conquista em algoz. Levar a ferro e fogo essa autonomia, fazendo com que o Ministério Público entre em descompasso com a paridade citada, será, além de inconstitucional, algo próximo do fim. Acarretaria, fatalmente, o encolhimento do Ministério Público a tal ponto que o tornaria um órgão sem forças, figurativo, enfim ... Seria, como peças de dominó em fileira, a queda de tudo que foi conquistado. Aí, sim, a desmotivação e a desolação contaminariam a instituição e os primeiros a saírem seriam os próprios causadores disso. Alguns críticos inflamados não conseguem alcançar a compreensão de que muito daquilo que criticam representa, exatamente, parte dessa luta pela manutenção de nossas garantias constitucionais.

De todo modo, com as cautelas devidas, o Ministério Público, não somente o do Maranhão, precisa discutir a sua estrutura administrativa disponibilizada aos seus membros para o cumprimento de seu mister. Imprescindível que tratemos sobre como estamos encaminhando nossas ações diante do que nos exige a Constituição Federal.

Temos independência funcional, é inquestionável. Mas não para sermos o que bem quiser. A Carta Política conferiu-nos essa independência para atuarmos sem peias na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A questão que se coloca é que, em nome dessa independência, estamos, algumas ou muitas vezes, deixando de atuar dentro do espaço que nos reservou a Constituição de 1988, para assumirmos a vez de defensor público, delegado, juiz conciliador, psicólogo, cobrador, orientador espiritual, conselheiro enfim.

Para isso é necessário, dentre outras medidas, preenchermos de razoabilidade o serviço de atendimento ao público. Quando sustentei isso a primeira vez, fui logo censurado de não querer atender ao público e mais mais mais … Como não atender ao público? É claro que devemos executar esse atendimento, até para sabermos o que acontece à nossa volta. Mas feito o atendimento, é indispensável que o passemos pelo filtro constitucional a fim de definirmos em qual situação, daquelas trazidas, devemos agir, inclusive estabelecendo uma escala de prioridades. O problema está que, sobretudo na esfera cível, o que fazemos é prestar, em grosso, assistência judiciária e, no varejo, quando dá, nos apresentamos como promotor de justiça.

O que isso tem haver com o debate? Tudo. Enquanto não assumirmos, definitivamente, a nossa missão constitucional, não experimentaremos o desassossego indormido de alcançar uma estrutura desejável para o desenvolvimento dos nossos trabalhos. Não podemos, também, esperar por condições ideais para começar a ser, efetivamente, promotor de justiça.

Paralelo a essa conscientização sobre o que a Constituição nos incumbiu, um passo fundamental é o espaço físico de trabalho para o promotor de justiça. Quanto a isso, indispensável que o promotor de justiça não seja visto como um alto servidor do fórum. Aqui, cabe bem o que disse acima, respeitante à estrada de mil léguas. Não seria possível ir de salto para a fase seguinte que é a efetiva implementação de uma organização administrativa descentralizada.

Antes, tinha-se um passo que, iniciado em Administrações anteriores, ganhou força e incremento na atual Administração, qual seja, tirar os promotores de justiça dos fóruns. Hoje, a imensa maioria, senão quase a totalidade dos promotores de justiça trabalha em sede própria ou alugada. Como falar em estrutura administrativa de Promotoria de Justiça, com Promotor instalado em uma sala do fórum, dividindo banheiro com o réu em processo-crime que ele acabou de interrogar? Porém, como disse, é apenas um passo e outros terão que ser dados. A comparação do que se tem atualmente não deve ser feita, simplesmente, com o que é preciso ainda ser feito, mas, sobretudo, com o que havia antes. Sempre será preciso fazer alguma coisa e corrigir alguma coisa. Esta é uma obra que nunca se completa, reclamando sempre ações agregativas e corretivas. Afinal não temos um demiurgo entre nós, do que se faz importante ter consciência.

Mesmo com os passos sendo percorridos, não devemos nos resignar. A cobrança por parte dos membros do Ministério Público tem o efeito de aguilhão para fazer a instituição avançar. É imperioso cobrar e, principalmente, apresentar-se para o debate propositivo e, não, para refregas de coliseu, colaborando com o aperfeiçoamento das propostas a se dar no entrechoque das ideias.

Nessa direção, estamos com a elaboração do planejamento estratégico - 2012-2016 - batendo às portas, tanto do Ministério Público do Maranhão, quanto do CNMP. Não podemos perder essa oportunidade de ouro para debatermos positivamente o Ministério Público, especialmente o deste Estado, desarmados de rancores, municiados, apenas, de ideias e proposições para aperfeiçoar ou corrigir o que aí está, sempre sabedores de que a caminhada não começou conosco.

O primeiro planejamento foi uma rica experiência. Temos, contudo, a chance de dar-lhe, agora, uma feição mais realista, sem querermos sair resolvendo todos os problemas do mundo ao mesmo tempo. É preciso, neste planejamento estratégico, nos incluirmos nele e priorizar o aprimoramento institucional sob a luz das condições de trabalho das unidades executoras, ou seja, das Promotorias de Justiça e dos órgãos auxiliares

Pela leitura do texto do nosso atual planejamento estratégico - do qual sugeri, anos atrás, sua revisão - nota-se a ingente boa vontade em resolver os mais diversos problemas, dos mais variados matizes. Miramos para todo lado, menos para nós mesmos. Hoje, a mim pelo menos, está cristalino que falhamos em não priorizar o seio da instituição, projetando com clareza a alavancagem das condições de trabalho dos órgãos de execução e de seus serviços auxiliares.

Como vamos dar solução adequada para aquilo a que nos propomos se, antes, não dotarmos os órgãos ministeriais da tão ambicionada estrutura administrativa? No planejamento estratégico anterior, pensamos na cobertura, mas esquecemos o baldrame. Não é possível levantar uma casa, começando pelo telhado. Saímos a querer resolver tudo que é deficiência alheia, mas não pensamos em resolver primeiro as nossas próprias deficiências.

Precisamos, pois, priorizar medidas internas que importem, de modo eficaz, no melhoramento de nossas condições de trabalho. Não atos praticados aqui e acolá, mas um movimento organizado e com um fim bem definido.

Penso, portanto, que devemos privilegiar, no planejamento estratégico que se inaugura, a atividade-meio do Ministério Público e, não, só pensar na atividade-fim. Assim é imprescindível incluir, em lugar de destaque nesse planejamento, os serviços de apoio aos órgãos de execução, as carreiras dos servidores, com vistas à sua firme correspondência às demandas das Promotorias de Justiça.

Deve merecer especial atenção a interiorização por regiões de quadros do Ministério Público, em especial a assessoria técnica em moldes semelhantes ao pensado pelo colega José Márcio, em seu Blog “josemarcio.com”, na postagem “uma Matriz SWOT para o Ministério Público do Maranhão”, a quem, aproveitando este ensejo, parabenizo pela belíssima iniciativa de seu blog, que corrobora a necessidade de o Ministério Público assumir de vez a função que lhe foi outorgada pela Constituição de 1988, uma conquista, como já disse acima, de membros que nos antecederam, muitos ainda em plena atividade. Ouvi-los com respeito é um ato de sabedoria.

Também, entendo ser imprescindível que nos ocupemos com os Centros de Apoio Operacional, os CAOPs, para fazê-los constar desse planejamento estratégico. O que pensamos e o que, objetivamente, queremos quanto ao funcionamento desses importantes órgãos auxiliares, projetando o seu formato para os próximos cinco anos.

Com essas providências surtindo o efeito esperado, o melhoramento da atividade-fim é uma consequência inevitável.

Que o debate avance e que propostas surjam sob o crivo de um contraditório inteligente, impessoal, despido de vaidades. O engrandecimento da instituição é o nosso engrandecimento. O contrário não é verdadeiro.

São Luís (MA), 29/04/2011.