ESTADO DO MARANHÃO
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO.
EDILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA e MARINALVA ROCHA DINIZ, já qualificados nos autos do HABEAS CORPUS nº 22841/2008, da Comarca de São Luís/MA, em que figuram como impetrantes Antônio Carlos Sodré e outros, e como autoridade coatora o Juiz de Direito da 6ª Vara Criminal de São Luís, todos devidamente qualificados, vêm mui respeitosamente, e em tempo hábil, por meio da DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO, através da Defensora Pública-Geral do Estado e do Defensor Público do Estado, que ao final subscrevem, com endereço profissional na Rua da Estrela, nº 421, Praia Grande, São Luís – Maranhão, na forma do artigo 105, inciso III, alínea “A”, da Constituição Federal e artigo 26 da Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1.990, interpor o presente...
RECURSO ESPECIAL |
para o Colendo Superior Tribunal de Justiça, contra o v. Acórdão de fls. 583/93, publicado 30 de dezembro de 2008, durante o período de recesso forense (Resolução n° 43/2007-TJMA).
Ante o exposto, requerem o processamento e a remessa do presente Recurso à Superior Instância, após o cumprimento das formalidades processuais.
Nestes termos, pede deferimento.
São Luís (MA), 02 de fevereiro de 2009.
ANA FLÁVIA MELO E VIDIGAL SAMPAIO
DEFENSORA PÚBLICA-GERAL DO ESTADO
ALBERTO GUILHERME T. DE ARAÚJO E SILVA
DEFENSOR PÚBLICO
DAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL
1. DA TEMPESTIVIDADE
Consoante certidão de fls. 395 dos autos, o v. Acórdão recorrido fora publicado em 30 de dezembro de 2008.
Contudo, por força da Resolução nº 43/2007, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, que regulamenta o período de recesso forense de final de ano, de 20 de dezembro de
De tal sorte, o dies a quo para contagem do prazo de interposição do presente Recurso Especial iniciou-se em 07 de janeiro de 2009, primeiro dia útil após o término do recesso forense, e findará, para a Defensoria Pública, em razão de sua prerrogativa do prazo em dobro, tão-somente, em 05 de fevereiro de 2009, o que demonstra, cabalmente, o atendimento do pressuposto temporal para conhecimento deste apelo especial.
2. DA LEGITIMIDADE RECURSAL ATIVA
Os recorrentes figuram como vítimas da Ação Penal objeto do v. Acórdão recorrido, e propuseram Ação de Reparação de Dano contra o Estado do Maranhão (Processo n. 16418/2008) em razão das agressões contra si perpetradas por agentes do Serviço Velado da Polícia Militar do Estado do Maranhão.
Deste modo, o trancamento da ação penal pelo v. Acórdão recorrido prejudica o provimento final da Ação de Reparação de Dano proposta pelos recorrentes, uma vez que, pela dicção do art. 65 do Código de Processo Penal, o reconhecimento da ocorrência de causa de exclusão da antijuricidade (CP, art. 23, III) faz coisa julgada no cível, tornando assim manifestos tanto a legitimidade quanto o interesse recursais dos recorrentes, que interpõem o presente Recurso Especial na condição de terceiro prejudicado (CPC, art. 499).
3. DA HIPÓTESE DOS AUTOS
Os impetrantes do Habeas Corpus epigrafado, Antônio Carlos Sodré, Osmar Alves da Silva Filho, Alexsandro Jorge Silva, José Domingos dos Santos Matos, José de Ribamar de Sousa, Alan Kardek Pinto Gomes, Edmundo Teixeira de Freitas, Evandro de Sá Sousa, Antônio Augusto Carvalho Cutrim, Antônio Fernandes da Silva, Carlos Marcelo Cardoso de Oliveira, Edilson Mendes Soares e Wiglene Jason dos Santos, foram denunciados perante o MM. Juízo de Direito da 6ª Vara Criminal da Capital Maranhense, sob a acusação de haverem praticado vários crimes contra os recorrentes e outras vítimas, dentre os quais, TORTURA, FORMAÇÃO DE QUADRILHA e ABUSO DE AUTORIDADE (por atentado à inviolabilidade de domicílio, por atentado à incolumidade física, por execução ilegal de prisão e por ato lesivo à honra).
A denúncia se lastreou nas conclusões do Procedimento Investigatório nº 02/2008, instaurado pelo Ministério Público Estadual para apurar fatos veiculados em representações de uma das vítimas, Sra. Videliane de Oliveira Carvalho, bem como da Seccional Maranhense da ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL e do CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS, em todos os casos, contrárias à atuação criminosa de integrantes do SERVIÇO VELADO da Polícia Militar do Maranhão.
Inconformados com o recebimento da denúncia, os denunciados impetraram Habeas Corpus perante o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado, pugnando pelo trancamento da referida ação penal, por pretensa ausência de justa causa, em face da também hipotética caracterização da excludente de antijuridicidade prevista no art. 23, III, do CPB (estrito cumprimento do dever legal).
Apreciando o remédio heróico proposto pelos réus, a Colenda Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, e de acordo com parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, modificado em banca, houve por bem em conceder o writ, determinando o trancamento da ação penal, por falta de justa causa, tudo nos termos do v. acórdão de fls. 586/593, da lavra do eminente Des. RAIMUNDO NONATO MAGALHÃES MELO.
Para concluir sobre a ausência de justa causa, em razão do estrito cumprimento do dever legal por parte dos impetrantes, deixou consignado o v. julgado ora recorrido:
Consta nos autos que os pacientes – Policiais Militares, através de um procedimento investigatório, comprovaram atividade criminosa de uma quadrilha que agia no Bairro da Cidade Olímpica e Geniparana nesta cidade e, para iniciar diligência com o fim de identificação dos criminosos utilizaram o Serviço Velado da Polícia Militar.
A denúncia descreve que os pacientes, supostamente, em conluio, agiram com abuso de autoridade, invadindo residências e torturando pessoas.
No entanto, no meu entender, na captura dos supostos criminosos, os Policiais Militares utilizaram dos meios legais que dispunham para a execução de suas funções de policiais, sem a violação de qualquer preceito legal.
No caso em exame, verifica-se a incidência da excludente de ilicitude prevista no art. 23, III, do Código Penal – estrito cumprimento do dever legal. (...)
Omissis...
Caracterizada, portanto, a licitude da conduta dos pacientes, restou demonstrada a ausência da justa causa, não existindo justificativa para que o Poder Público continue a persecução criminal.
Omissis...
Logo, o trancamento da ação penal por ausência de justa causa, no presente caso, mostra-se viável, eis que caracterizada a excludente de antijuridicidade a legitimar a conduta dos pacientes.
Assim decidindo, o venerando acórdão contrariou orientação jurisprudencial assentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, o que autoriza a interposição do presente apelo especial, com fundamento no art. 105, III, alínea “c”, da Constituição Federal (divergência jurisprudencial).
4. DA DEMONSTRAÇÃO DO CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL
Com efeito, ao decidir o Habeas Corpus nº 27.969 - MG, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão com publicação na Revista Eletrônica de Jurisprudência do STJ, teve ocasião de consignar:
O trancamento de ação por falta de justa causa, na via estreita do writ, somente é viável desde que se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, hipóteses não ocorrentes na espécie.
Não há como concluir, em sede de habeas corpus, pela ocorrência de excludente de antijuridicidade (CP, art. 23, III), se, para tanto, faz-se necessário o revolvimento do contexto fático-probatório em que sucedeu a infração.
Conforme se constata através do relatório do eminente Ministro FELIX FISCHER, tratava-se também de impetrante/paciente que alegava ter agido em estrito cumprimento do dever legal (art. 23, III, CP), pelo que então requeria o trancamento da ação penal por ausência de justa causa.
Evidente, sem dúvida, o paralelismo das situações confrontadas (RISTJ, art. 255, §2°): nos dois casos, discute-se a hipótese de trancamento da ação penal pela ausência de justa causa, em face da possível ocorrência da excludente de antijuridicidade do estrito cumprimento do dever legal (CP, art. 23, III). As soluções encontradas, porém, foram diametralmente opostas: para o julgado do STJ trazido à colação, não há como concluir pela ocorrência da referida excludente de antijuridicidade através do restrito canal do habeas corpus, enquanto que para a decisão recorrida “o trancamento da ação penal por ausência de justa causa, no presente caso, mostra-se viável, eis que caracterizada a excludente de antijuridicidade a legitimar a conduta dos pacientes” (fls. 593).
Com efeito, segundo entendimento jurisprudencial predominante sufragado pelo STJ, e aqui consubstanciado no acórdão paradigma, o trancamento da ação penal por falta de justa causa, através da via estreita do habeas corpus, somente é possível “quando se constata, prima facie, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito”, o que inocorre no caso recorrido, que se debruça sobre causa de exclusão da antijuridicidade.
A esse respeito, é de ser arrolada outra decisão recente da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso de Habeas Corpus nº 22627 – BA, também publicada pela Revista Eletrônica de Jurisprudência do STJ, em que o mesmo entendimento voltou a ser repetido:
O trancamento de ação penal em sede de habeas corpus reveste-se sempre de excepcionalidade, somente admitido nos casos de absoluta evidência de que, nem mesmo em tese, o fato imputado constitui crime. Isso porque a estreita via eleita não se presta como instrumento processual para exame da procedência ou improcedência da acusação, com incursões em aspectos que demandam dilação probatória e valoração do conjunto de provas produzidas, o que só poderá ser feito após o encerramento da instrução criminal, sob pena de violação ao princípio do devido processo legal.
Convém destacar, mais uma vez, não obstante as soluções díspares encontradas, a semelhança dos casos confrontados (RISTJ, art. 255, §2°), uma vez que o autor do RHC nº 22627 – BA, a exemplo dos policiais militares do Serviço Velado, fora denunciado pelo crime de tortura (art. 1º, I, a, e III, § 4º, da Lei 9.455/97) e alegara a seu favor, de modo idêntico à situação sub-examen, a ausência de justa causa para ser processado.
5. DAS RAZÕES DO PEDIDO DE REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA
O trancamento da ação penal em habeas corpus é medida excepcional, somente justificada quando puder ser constatada de plano a atipicidade dos fatos narrados na denúncia ou se possa concluir pela inexistência de indícios de autoria, isto porque o writ não se presta à análise aprofundada de provas.
O recebimento da denúncia se funda em um mero juízo de admissibilidade fundado em summaria cognitio sobre a razoável probabilidade de que o acusado ou querelado seja responsável e culpável por um suposto injusto cometido.
A análise da existência do crime ou de circunstância que exclua ou isente o réu de pena requer o exame valorativo de matéria fático-probatória a ser apreciada pelo juiz do processo, uma vez encerrada a instrução processual, providência prematura e inviável em sede de habeas corpus.
Com efeito, não há como se concluir, a exemplo do que se dera no Acórdão recorrido, pela ocorrência da excludente de antijuridicidade do estrito cumprimento do dever legal (CP, art. 23, III), sem o necessário revolvimento do contexto fático-probatório, vedado em sede de habeas corpus.
Por oportuno, cumpre destacar que para a prolação do Acórdão recorrido, além de se proceder a precoce e indevido exame valorativo do acervo probatório, deixou-se de analisar provas coletadas pelo Ministério Público Estadual, no âmbito do procedimento investigatório instaurado, cujas cópias, propositalmente, como estratégia de defesa, não instruem o habeas corpus.
Ou seja, simplesmente ignorou-se o teor da própria denúncia, quando descreve o depoimento de vítimas e de testemunhas, inclusive de um delegado de polícia, todos inquiridos pelo Parquet, relatando os abusos cometidos pelos homens do Serviço Velado, bem assim os laudos dos exames de corpo de delito também citados na denúncia, constantes às fls. 68, 74 e 75 dos autos, prova robusta da materialidade das violências praticadas pelos impetrantes contra suas vítimas.
A esse respeito, merecem citação as declarações do delegado de polícia, Dr. Marcos Wallace Silva Pereira, transcritas na denúncia, expostas às fls. 74 dos autos:
“que tão logo os conduzidos lhe foram apresentados, constatou que estes apresentavam sinais de espancamento, o que lhe foi confirmado em seguida por informação dos familiares destes, que relataram as agressões sofridas pelos conduzidos no momento em que os policias do Serviço Velado efetuaram as prisões; que imediatamente oficiou o Instituto Médico Legal para que fossem submetidos a exame de corpo de delito...”
Por estas razões e pelos mais sólidos argumentos constantes dos Julgados trazidos à colação, deve prevalecer, também na hipótese dos autos, a solução encontrada pela Superior Tribunal de Justiça para questão de direito federal debatida, acerca da impossibilidade de se concluir, em sede de habeas corpus, pela ocorrência de excludente de antijuridicidade (CP, art. 23, III), se, para tanto, faz-se necessário o revolvimento do contexto fático-probatório, o que se dá no caso vertente, conforme alhures demonstrado.
6. DO PEDIDO
Pelo exposto, aguarda-se que seja deferido o processamento do presente Recurso Especial, para que, conhecido e provido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, seja reformado o Acórdão recorrido, para se dar seguimento à Ação Penal nº 10.413/2008 (23547/2008), evitando-se decisões conflitantes entre os Tribunais e conferindo uniformidade de interpretação à jurisprudência pátria.
Nestes termos, pede deferimento.
São Luís, 02 de fevereiro de 2009.
ANA FLÁVIA MELO E VIDIGAL SAMPAIO
DEFENSORA PÚBLICA-GERAL DO ESTADO
ALBERTO GUILHERME T. DE ARAÚJO E SILVA
DEFENSOR PÚBLICO